Shara Pennekamp era viciada em drogas, desde os 16 anos.
Agora, aos dezenove, ela trabalha como voluntária no combate ao vício, fazendo
palestras em escolas, clubes e igrejas, contando como as drogas quase lhe arruinaram
a vida. Neste depoimento ela diz por escrito o que costuma contar de viva voz
aos jovens, nas conferências que faz.
"Eu só tenho 19 anos, mas dizem-me que pareço muito mais
velha. As drogas quase me arruinaram a vida. Levaram-me à tentativa de suicídio,
estragaram meus dois casamentos, arruinaram para sempre meu fígado, os rins e a
vista. Ainda sou legalmente muito jovem para comprar bebidas alcoólicas, no
Estado norte-americano onde nasci, mas, em certa ocasião, eu gastava 300
dólares por dia em drogas.
Só há três possibilidades para uma garota ganhar uma tal
quantia: roubando, prostituindo-se ou "passando" drogas para outros
infelizes viciados. Eu "passava" drogas. Isso aconteceu em
Haight-Ashbu, um distrito de São Francisco, ponto de reunião de
"hippies", onde me firmei, depois que fugi de casa, deixando com
mamãe meu bebê, Richie, que nasceu não muito depois de eu haver completado 16
anos.
SEPARAÇÃO
Os entorpecentes fizeram-me sair de casa. Depois de me separar
de meu primeiro marido, encontrei um "cara" que me levou a um local
do Louisville chamado "The Chicken Coop". Era uma casa de três andares,
onde dez jovens viviam em "comunidade" e fumavam marijuana. A marijuana
nunca me interessou ou apeteceu, mas eu a fumava, porque era o que todos os
outros faziam. Eu me entreguei à droga metedrina para valer.
A polícia deu uma batida no Chicken Coop e todo mundo,
inclusive meu namorado, foi parar atrás das grades. Os rapazes foram acusados de
contribuir para minha delinquência, pois eu era menor de idade. Fui levada à
delegacia policial e interrogada. Contei tudo à polícia. Depois disso, um amigo
do meu "amiguinho" veio me ver e disse-me: “Você é a única testemunha
que os tiras da polícia podem conseguir. E se você não der o fora desta cidade
imediatamente, vai jogar todos nós na prisão”. Disse-me também que um homem
chamado Skip me levaria para fora da cidade. Voei então para Los Angeles com
esse tal Skip.
Ele levou-me para uma casa, algo assim como o Chicken Coop,
onde uma porção de jovens viviam juntos ali e tomavam entorpecentes de um tipo
ou de outro. Até aquela ocasião, eu nunca espetara uma agulha em meu braço.
Simplesmente não suportava ver ninguém se drogar daquele jeito. Mas Skip me
iniciou na heroína. Ele me deixou dopada durante semanas, mantendo-me drogada
por meio de injeções. Receava que eu saísse do torpor, fugisse de volta à minha
cidade natal e fosse servir de testemunha para a polícia.
VÍCIO
Quando saí daquele estupor, juntei-me a um bando de rapazes
que partia para São Francisco. Foi assim que cheguei àquela cidade, onde
permaneci por mais de um ano. Mudei-me para um quarto com um viciado em heroína
e suponho que eu tenha vivido com aproximadamente vinte homens diferentes,
durante o período que passei ali. Eles pagavam o aluguel. Tudo o que me cabia
custear era meu vício, que afinal chegou a custar-me de 200 a 300 dólares por
dia.
Mas, naquele tempo, eu tinha um negócio muito bom, fazia
muito dinheiro, era dona da “boca” na rua. Meu lucro, às vezes, subia a 300 ou
500 dólares, por dia. Eu recebia as drogas de um dos rapazes da casa. Esses
entorpecentes passavam, então, de um traficante para outro e nunca se sabia o
que se estava recebendo. Uma manhã, eu recebi uma “carga” muito ruim. Depois
que tomei a droga fiquei paralisada e cheia de dores pelo corpo todo. De outra
vez, caí com hepatite – pegada de uma agulha mal desinfectada, eu suponho. Nem
sequer procurei um médico.
Nesse ínterim, o senhor Talbott, senhorio daquele antro, foi
muito bom para mim e passei a gostar dele. Ele se interessou por mim e
disse-me: “Eu simplesmente não suporto ver você se arruinar deste jeito”. Isso
se deu, depois que eu larguei da heroína e voltei a fazer uso das anfetaminas,
fazendo a “viagem” por via injetável, em lugar de tomar pílulas. Algumas vezes,
devo ter ficado dopada durante uma semana, e provavelmente não comia nada
durante aquele tempo. Perdi peso, meu cabelo ficou sem viço, tornou-se
comprido, fino e ralo, e realmente eu tinha um péssimo aspecto. Na verdade
parecia uma velha. O senhor Talbott finalmente convenceu-me a sair da
Califórnia e voltar para casa.
MUDANÇA
Tornei a casar-me e mudei-me para Cincinnati. Mas, minha
antiga vida de vício voltava a me perseguir. Eu estava grávida de sete meses,
quando tomei conhecimento dos bebês horríveis e deformados de mães que haviam
tomado LSD. Vocês podem imaginar como me senti – grávida e tendo feito muito
uso de LSD. Isso foi a gota d’água. Descontrolei-me emocionalmente e fui parar
num hospital, com colapso nervoso. Os médicos descobriram que eu tinha cirrose
hepática – consequência ainda daquela hepatite mal tratada.
Um dia, ao deixar o hospital, passei a sofrer de alucinações
que me levaram de volta ao passado, ao tempo em que eu fizera uso do LSD.
Decidi suicidar-me. Estava certa de que iria morrer, de qualquer maneira.
Ingeri dois vidros cheios de pílulas sedativas e soporíferas, mas quando
comecei a me sentir tonta e enjoada, entrei em pânico e telefonei pedindo
socorro. O esquadrão de “salvação” ou “salva-vidas” da polícia chegou às
pressas à minha casa.
Salvaram-me. Mas, neste meio tempo, meus pulmões entraram em
colapso. Ainda tenho uma cicatriz no pescoço da operação de emergência a que me
submeteram. Apesar de tudo, meu bebê – um menino – nasceu sadio. Lance está
agora com um ano. Seu irmão, Richie, tem 4. Eu dou graças por estar viva e com
dois filhos bonitos – embora me esteja divorciando do segundo marido. Estou de
volta a casa, em Sallesburg, morando com meus pais e as crianças.
Enquanto eu estava em Cincinnati, uma
professora perguntou-me se eu faria uma preleção para sua classe sobre minha
experiência com drogas. Concordei com a esperança de que o que eu experimentara
com os entorpecentes servisse para afastar outros de tentar fazer uso deles. A
esta altura, suponho que já haja relatado minha história cerca de umas cem
vezes, em escolas, igrejas e clubes. Nunca mais voltarei a tomar drogas, agora
que já me libertei do vício. Eu sei o mal que elas podem fazer – e sei como é
horrível. Espero ter deixado isto bem claro para os milhares de pais e de
filhos que leram este depoimento. Se minha história convencer os jovens a se
manterem afastados das drogas, dar-me-ei por muito feliz.
Transcrito do Jornal O Globo, de 25/05/1971